Recordo-me poucas vezes da minha infância… não porque tenha sido particularmente infeliz ou porque me custe fazê-lo, talvez porque não queira perceber que aquele tempo de inocência, felicidade, alegria e pureza, tenham terminado.
Tive uma infância nem sempre feliz ou fácil, mas vivida plenamente, livremente e que teve como único amargo o facto de ter sido bastante curta… terminou rápido demais e passou rapidamente à fase adulta, entre a criança e a mulher passou tudo repentinamente, nunca fui adolescente, passaram-se episódios conturbados e mal experimentados que esses sim, não faço questão de recordar.
Mas a minha infância…
Em dias de chuva ou frio como o de hoje, gosto de me recostar no sofá, envolta num cobertor quentinho e enquanto aperto uma chávena de café fumegante, olho para o nada, de onde me é permitido ver a criança que eu fui… invariavelmente tenho de recordar-me da melhor das memórias, do que ainda me provoca um brilhozinho nos olhos e há-de provocar sempre… a minha BMX amarela!
Não sei muito bem quando é que o meu pai ma deu, sei que me ensinou a andar nela, incansavelmente, até me tornar uma corredora nata.
Nunca um carro há-de alcançar a velocidade que eu sentia, nunca um avião há-de conseguir voar mais alto que eu em cima da minha bicicleta, nunca nada há-de fazer pular mais o meu coração no peito, nunca nenhuma sensação há-de ser melhor que aquela que eu vivia, quando corria ao som dos Xutos e Pontapés- Casinha… que saudades…
Lembro-me que o meu pai colocava essa música de propósito só pra me ver a correr para a bicicleta, pegar nela e andar à volta de casa como que possuída, ainda hoje essa música tem gosto a criança, para mim, ainda hoje me faz bem ouvi-la.
E as vezes em que chegava a casa com os joelhos sujos, outras tantas vezes rasgados, pelas deliciosas corridas que fazia com os meus amigos, verdadeiros amigos, únicos amigos, nunca meninas.
Quando o meu pai ma deu, eu ainda não chegava ao chão em cima dela, de maneira que lhe ganhei tamanho carinho e dedicação… que já era demasiado pequena, já o guiador me magoava os joelhos e eu recusava-me a encostá-la lá em casa, ainda assim ganhava as metas.
Metade da minha infância está em cima daquela bicicleta, grande parte dos meus sorrisos foram em cima dela, as melhores quedas foram dela e sempre os assumi orgulhosamente. O meu pai dizia que só se sabia andar bem de bicicleta quando se dessem três grandes quedas, obviamente que excedi a estatística largamente e ia contar-lhe orgulhosamente, que não tinha conseguido travar na ribanceira e lá tinha eu ido parar mais uma vez à terra do Ti Manel … que saudades.
Não sei onde pára essa bicicleta, se calhar está no sótão da outra casa, se calhar está em casa dos meus avós… acho que não a quero ver… deve estar tão velhinha, prefiro recordar-me de como era amarela, brilhante, linda… e depois acho que se a visse… ainda me colocava de novo em cima dela, só pra dar mais uma volta…