Há dias fui visitar a minha avó.
Algo de que me esqueço, ou vou deixando passar demasiadas vezes, sinto-me sempre tremendamente culpada de cada vez que a vejo.
Naquela cama onde repousa há demasiado tempo, sempre com a cara mais ternurenta que conheço, sempre rosadinha, sempre sorridente.
Olha pra mim, sorriso do tamanho do mundo, volta a dizer-me que estou uma mulher, volta a dizer-me como sou linda, e nunca esquece o ‘se eu pudesse, ia fazer-te aquele cacau quente que vinhas cá de propósito beber’…
As lágrimas brotam-nos sempre, a minha avó presenciou os meus melhores momentos de uma infância tão feliz.
No largo da aldeia, tal como quando eu era menina, tal como quando a minha mãe era menina, os miúdos continuam a encontrar-se, sem encontro marcado, à mesma hora.
Fiquei com a minha avó, o tempo suficiente para poder ir para casa tranquila e deixá-la ainda mais feliz, olhei para ela infinitamente, como se pudesse ser aquela a última vez que a via… assim.
Mais um beijinho demorado e o meu beijinho na testa, mais um ‘Precisa de alguma coisa, avó?’ e um adeus rápido, que esse sim é dos momentos mais difíceis da minha vida… a despedida.
Encostei a porta do quarto, fechei a porta da entrada e estava no largo das memórias.
O barulho era o da minha infância, os risos eram também os meus, ainda lá está a menina que eu fui.
Fiquei de perto a observar, estavam ali miúdos que eu não conhecia, mas que exibiam a mesma alegria que eu tinha, quando podia ir jogar à apanhada, à macaca, à bola…
Queria ter voltado atrás no tempo, ir a correr, de calções e camisola para junto deles, ficar por ali até anoitecer, cansar-me de tão feliz, brincar sem restrições…
Uma menina perguntou-me:
-Tu és a Marisa, não és?
Voltei ao presente, fiquei incomodada. Fiz um sorriso rasgado e inocente, respondi que sim.
-Ah a minha mãe disse-me que tu vens cá poucas vezes, mas quando eras pequena estavas cá todos os dias e sempre foste muito bonita!
Ruborizei, queria ter entrado no carro e ter fugido dali, mas engoli em seco e perguntei-lhe, porque é que a mãe dizia isso.
Disse-me que me tinha visto por lá há uns tempos atrás e tinha perguntado à mãe quem era aquela mulher, que ia aquela casa onde nunca se vê ninguém, só a enfermeira.
Agora mais refeita da surpresa, disse-lhe que aquela é a casa da minha avó, e que de facto tinha também eu, tinha passado longas e divertidas tardes naquele largo, com os meus amigos e que me tinha divertido bastante… acrescentei:
-Bom, preciso ir embora…
Acenei-lhe, entrei no carro e ouvi…
-Olha, Marisa? – falou de lá, voltei a sair.
-Sim?
-Tu és mesmo muito bonita!
Entrei novamente no carro, com os olhos rasos de lágrimas, fui para casa, e percebi que nunca mais serei feliz… como fui ali…