Entrei em casa e despi-me de um dia demasiado pesado para os meus ombros, não acendi uma única luz.
A luz às vezes incomoda, faz-nos lembrar que existimos…
Um sapato, demasiado alto, na cozinha, outro na sala, a saia nas escadas, a camisa no toillete e o string à entrada do quarto… quando subi para a cama deixei o soutien no chão…
Não somos nada alem daquilo, corpo e alma, eu precisava conciliar-me com a minha.
A luz continuava desligada, não queria sequer perceber que ali estava, nunca percebi se somos nós que exigimos demasiado da vida, ou se a vida que exige demasiado de nós, às vezes só existir já custa tanto…
O telefone tocou… e eu deixei tocar, não era pra mim… era pra Marisa, forte e segura e simpática e bem disposta, plena. Eu era só a Marisa cansada, demasiado cansada, melancólica, vazia, esgotada…
Custa chegar à conclusão que o nosso melhor amigo é o espelho, que tudo o resto se rege sob aparências, protocolos e conveniências, os preços dos afectos estão cada vez mais elevados, como afinal tudo nesta vida.
Acendi a luz do candeeiro, olhei-me ao espelho que me emoldura todos os dias um sorriso e me prepara para mais um dia… doeu… muito.
Não chorei, chorar de mim depois de um dia tão mau e violento, era dar a vitória ao inimigo, eu não dou!
Inspirei, suspirei e arrepiei-me, começava a arrefecer, ou talvez a cair de novo em mim, a sentir-me, precisei tocar-me… gosto.
Enrosquei-me em mim e deixei-me ficar num mundo perfeito, num sonho utópico, sem cobranças ou hipocrisias, um banho saberia bem… mas não agora, agora queria ficar só comigo, sozinha, que afinal é a única pessoa que gosta a sério de mim…