O Paulo foi o meu grande amigo de infância!
Sempre brincámos juntos, o Paulo era o miúdo que me acompanhava, sempre que eu tinha que ir fazer um recado à minha mãe, ou ia buscar qualquer coisa à loja da D. Bia, ele via-me a passar, pela janela, vinha a correr e fazia questão de me trazer os sacos que ia entregar com brio à minha mãe, e depois muito timidamente ainda lhe pedia se me deixava ir brincar com ele…
As nossas casas ficavam na mesma rua, que tinha pouco mais casas e um largo enorme onde ficávamos horas a jogar à bola, ao berlinde, ao pião, ou íamos só dar uma volta de bicicleta, depois ia jantar a casa dele ou vice-versa, éramos como se da família.
Fomos juntos pra primária e fizemos questão de levar mochilas iguais, todos os dias depois das aulas vínhamos pra casa, fazíamos o que havia sido estipulado em casa, depois os deveres da escola e depois íamos brincar até anoitecer.
Haviam outros rapazes, outras raparigas, mas nunca ninguém beliscou sequer a nossa cumplicidade, toda a gente daquela aldeia sabia que onde andasse o Paulo andava a Marisa e vice-versa, se o Paulo ficasse de castigo, eu também não queria sair de casa.
Quando fomos pró 5º ano ficámos na mesma turma, o que foi uma grande felicidade, porque continuámos a nossa amizade, fazíamos trabalhos de grupo juntos, íamos e vínhamos no mesmo autocarro e pouco mudou.
O Paulo sempre foi um miúdo muito inteligente e desde sempre me lembro de o ouvir dizer que ia ser piloto de aviões, sabia tudo o que havia pra saber acerca disso, era um óptimo filho, que fazia muito bem todas as tarefas domésticas, sempre responsável e com notas bem acima de razoáveis.
Quando fui para o Liceu ele foi para outra escola, e passados poucos meses mudei de casa, para outra localidade, pelo que foi um corte na nossa amizade, repentino e muito doloroso.
Depois disso voltei a vê-lo muito poucas vezes e apenas para um ‘Como estás’, passado pouco tempo soube que deixou o 10º ano e foi trabalhar…
Custou-me imenso, porque sabia dos seus sonhos, das suas capacidades e nunca percebi o que o fez mudar tão rapidamente…
Inexplicavelmente nunca mais falámos, como tínhamos falado tantas vezes antes, nunca percebi as suas razões, nem onde ficou aquele miúdo, que eu sempre pensei iria ficar comigo o resto da minha vida…
Ontem fui comprar pão, de manhã bem cedinho… e ele estava lá… eu acho que era só uma sombra dele…
O que vi foi no mínimo desolador, aterrador!
Um homem desleixado, desamparado, o brilho que lhe conhecia nos olhos, desapareceu.
Sentado a um canto, olhar perdido, olheiras profundas, cheiro de quem não tem o mínimo brio por si próprio, roupas gastas, sujas e mãos calejadas, encardidas…
Senti o chão a fugir-me dos pés, uma tristeza profunda a percorrer-me a alma.
-Olá Paulo!
Disse-o com o ar mais natural que consegui, mas saiu algo de assustadoramente falso.
-Olá Marisa, há quanto tempo.
-Então vieste tomar o pequeno-almoço?
-Não vou-me deitar agora, passei e vim beber uma cerveja.
Olhar para ele, era como rever a toda a minha infância e senti-la a perder-se a cada segundo.
-Então e estás em casa dos teus pais, ainda?
-Estou mas só durante mais um mesito, houve um azar, vou ser pai em Outubro e eles disseram-me que tenho de sair entretanto… Nem sei que te diga. E tu já casaste?
Engoli em seco, estava perplexa, não consegui responder.
-Bom, gostei de te ver, agora tenho que ir embora, boa sorte e parabéns.
Voltei costas e ainda o ouvi murmurar:
-Grande sorte, a minha…
No caminho pra casa, que me pareceu muito longo, não me saía aquela imagem da cabeça, aquelas palavras, aquele não era o meu amigo Paulo.
Não sei por onde passei, cheguei a casa, pousei o pão na bancada da cozinha e as lágrimas corriam-me pela face…