Numa destas manhãs, tomava um café numa esplanada, num dia triste, escuro, fresco e ventoso.
Bom a única coisa que estava nessa esplanada era mesmo o meu corpo, que já o pensamento vagueava bem longe dali, e nem mesmo eu sei muito bem por onde!
Eu estava precisamente como o tempo, sentia-me perdida, provavelmente de mim, definitivamente não seria um bom dia… devo ter mexido o adoçante com o café, durante tanto tempo, que já nem me recordava se o teria colocado ou não.
A verdade é que fui tomar aquele café, sozinha, porque seria insuportável a minha companhia para quem quer que fosse, aliás eu não queria falar, ou rir, só ficar pra ali…
-Marisa?
Nem me dei ao trabalho de levantar o olhar, aquela abordagem teria de ser fugaz, queria mesmo estar sozinha.
-Quem deseja saber?
Disse, continuando a olhar pra chávena da qual já conhecia todos os pormenores mais ínfimos.
-Miguel…
Fiquei imediatamente arrepiada e nem sequer foi por causa do tempo, o bolero que trazia por cima dos ombros era suficiente pra me proteger daquela aragem… mas não da emoção de rever alguém tão especial…
A minha expressão ao olhar pra ele foi tão incrédula que o fez sorrir.
-Miguel? Há quanto tempo, tudo bem?
-Posso sentar-me?
Que fazer, tinha ido tomar um café pra ficar envolta nos meus pensamentos e agora tinha que optar entre esse desejo, ou a vontade de estar de novo com o Miguel.
-Sabes que eu não estou aqui sozinha por acaso, é propositado… mas senta-te.
-Ai sim, e queres mesmo que me sente?
-Claro, não vou deixar-te ir embora, agora que te encontrei.
-Como estás?
-Bem!
-Que engraçado terminámos o liceu e nunca nos tornámos a ver, ainda te mandei uns postais…
-Que eu ainda hoje guardo…
-Ahahahahaha, foste muito especial pra mim. Mas o que se passa, porquê este café sozinha?
-Nada em concreto, apenas o gosto de estar comigo, sozinha, as coisas simples da vida e os pensamentos têm outro valor, com todo o stress do quotidiano esquecemo-nos tantas vezes de nós próprios.
-Bem visto! E sendo que já terminaste o café e que eu não vou tomar, posso convidar-te para um passeio, como aqueles que fazíamos, quando saímos da escola?
-Ahahahahah, tu ias para um lado eu para outro e encontrávamo-nos cinco minutos depois no local do costume…
-Que saudades.
-Óptimos tempos aqueles, vamos então…
-Mudei de cidade e venho cá muito raramente, na verdade não há ninguém me faça voltar cá, nem amigos como sabes…
-Sei, os que eu tenho também não são do liceu, são os que vou encontrando pela vida fora.
-Eu não vim cá sozinho…
-E onde está ele?
Como sempre a minha frontalidade a ser inconveniente, o Miguel ficou tão roborizado que por momentos pensei que me deixasse por ali e seguisse apressadamente.
-Ele?
-Desculpa, a minha impulsividade teima em não mudar, como vês.
-Mas é disso que sempre gostei em ti, lembras-te quando me perguntaste, se eu não gostava de rapazes? Pois foste a única a fazê-lo, os outros preferem julgar, gozar, tirar impressões e julgarem-se muito melhores. Olha ele está à minha espera, queres conhecê-lo?
-Claro!
-Então vamos, eu já lhe falei imenso de ti, como calculas foste a única mulher…
-Eu sei… para quem queria passar uma manhã solitária e melancólica, parece-me que isto vai ser um dia bastante intenso…
-Ahahahahaah, pois vai, ele tem um sentido de humor bastante apurado, como teu…
-É mesmo o que eu preciso!
-Preparada para novas experiências?
-Que te parece?